segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Tempo Perdido


Ela acordou como sempre acordava. Olhava para o relógio ressentida e perguntava a si mesma se aquilo era vida. Começou sua corrida de sempre. Foi se arrumar sem prestar atenção no que via no espelho. Escolheu suas roupas sem prestar atenção no que escolhia e saiu para o trabalho sem prestar muita atenção para onde estava indo.

Chegou ao metrô na hora de sempre, como se já estivesse programada para pegar a mesma condução para o mesmo lugar todos os dias. Tanto o caminho para o ofício quanto o ofício já eram feitos tão mecanicamente que ela nem pensava no que fazia. Apenas fazia a mesma coisa todos os dias e todos os dias eram iguais. Ela esperava ansiosamente o fim do dia. À noite ela só queria voltar para casa e dormir. Talvez até conseguisse sonhar.

Já desejando que o dia chegasse ao final, ela entrou no metrô. Mas, checando o mesmo relógio que sempre checava, esperando ver a mesma hora de sempre, ela percebeu que o tempo passara e ela não havia percebido. Apesar de ter feito tudo como sempre fazia... era tarde demais! Já não havia razão sequer em ir para o trabalho, de tão atrasada que estava. O mais horrível era tentar achar para onde foram todas aquelas horas perdidas! Ela havia feito tudo como sempre. O que teria acontecido? Foi um dia inteiro que ela não sabia como havia passado!

Em meio a seu desespero ela abriu os olhos em seu quarto, deitada em sua cama, com o relógio à sua frente. Ela checou o relógio apavorada com a horas perdidas. E então veio o alívio. Ainda era o meio da madrugada e ela ainda tinha bastante tempo para dormir. Fechou os olhos novamente e procurou o sono.

Mas o sono, ela não achou. Completamente descansada no meio da madrugada ela resolveu que se arrumaria com antecedência. Assim teria mais tempo para se arrumar. Mas ela sempre se arrumava no mesmo tempo, então decidiu que passaria as horas tomando café. Só que sempre levava o mesmo tempo para tomar café e então preferiu sair para o trabalho mais cedo, assim teria mais calma para chegar ao trabalho.

O metrô ainda estava de portas fechadas quando ela chegou até ele. Ela não sabia o que fazer. A caminhada havia sido longa o suficiente para gastar os minutos até a hora do metrô abrir. Mas ela nem percebeu em sua caminhada que o céu não mudava. Ainda era madrugada. Não poderia ficar andando nas ruas desertas assim - o perigo era muito grande. Olhou para todos os apartamentos de janelas escuras, poucas luzes acesas e as ruas totalmente vazias. Ela teve medo. Não podia lembrar-se de quando viu as ruas tão vazias assim. Podia lembrar-se de rostos que passavam rapidamente por ela todos os dias, mas não das ruas sem gente, nuas daquela maneira. Era apavorante. A cidade não parecia estar simplesmente dormindo. Parecia estar morta. Ela não agüentaria ficar mais tempo na rua esperando que o metrô abrisse, nem queria fazer novamente o caminho para casa para ter que voltar mais tarde. O dia não parecia clarear mas ela sabia que tinha acordado há muito tempo atrás. Não havia nenhum relógio por perto e ela havia esquecido o seu, como nunca fazia. Até onde ela percebia, o tempo havia parado.

Mas e se ele andasse novamente no caminho de volta para casa. E se ela se atrasasse outra vez, como havia atrasado antes... antes de acordar...

Quando deixou sua cabeça cair de encontro ao peito ela acordou assustada. Havia adormecido no banco do metrô e sua bolsa estava no chão. Sentiu-se tão aliviada por reconhecer a estação em que estava e os rostos de desconhecidos que nem pensou em como havia chegado até aquele banco. Ela apenas ressentiu ter que ir para o trabalho depois de ter dormido tão mal à noite.

As pessoas que lhe eram familiares foram saltando em estações que ela não reconhecia. De tanto ver as mesmas pessoas todos os dias, apesar de não falar com elas, ela sabia em que estação elas saltavam, e estas não eram as estações de sempre. Havia algo de estranho nelas. Não seguiam o padrão de todas as estações do metrô. Olhou para o quadro dentro do metrô procurando sua estação mas não haviam nomes. Apenas marcas ilegíveis.

A cada parada o metrô se esvaziava. Todas as pessoas desciam parecendo saber para onde iam e nenhuma delas parecia notar mudança nenhuma naquele cenário. O carro já estava se esvaziando. Ela continuava a temer chegar atrasada ao serviço. Preocupada, ela tentou ler ao menos o nome da estação no quadro da plataforma, mas não conseguiu. Conseguiu porém localizar um dos relógios da estação, para saber se estava atrasada. Mas agora os relógios marcavam os anos. Ela só sabia contar minutos e horas, não os anos. Aqueles relógios não a ajudavam. Ela tentou calcular o tempo que havia passado desde... desde... Ela tentou, mas o metrô entrou em movimento e rápido como uma bala mergulhou no túnel escuro com uma só passageira.

E não parou mais.


Nenhum comentário:

Postar um comentário