quarta-feira, 17 de março de 2010

Um Dia de Cão

Conheço muitos cães que levam uma vida muito boa, por isso não acho que este título seja justo. Este texto já foi publicado em um livro sobre as Leis de Murphy chamado "Por Que Nada Dá Certo?". Claro que o livro não fez sucesso...

No entanto sigo com a minha missão de dar meu testemunho àquelas pessoas que estão achando que o dia delas foi ruim - Sim, Jack Bauer, isso vale para você também! - e que reclamam que no dia que chover sopa, elas estarão com um garfo na mão.

Este foi o meu Dia de Cão.



Esse dia realmente aconteceu, apesar de, nestes vinte anos, eu jamais ter conseguido convencer ninguém, exceto as testemunhas deste dia, também conhecidas como vítimas inocentes do Dia de Cão. Foi o dia 30 de maio de 1989. Sim, eu sou velha, seu
nerd miserável. Vá jogar no msn games e deixe estes sites para quem realmente gosta de ler...

Não haveria motivo para relembrar este dia horrendo se não fosse para ajudar outras pessoas. Relato aqui nada menos que 41 regras para reconhecer e amenizar seu Dia de Cão.

Aí estão elas:

A intuição sempre avisa que o dia vai ser dose para leão, assim como me avisou naquele dia. O que me ensinou que:


1- Para ser de fato um dia de cão haverá algum compromisso que não se pode faltar de jeito nenhum, tornando assim impossível seguir sua intuição e passar aquele dia embaixo das cobertas.


Sentindo-me indispensável para que o mundo girasse naquele dia, saí com a cara e a coragem e cheia de agasalhos pois o dia amanheceu frio e chuvoso, como é comum num dia de outono. Então percebi que:


2- O tempo que o clima demorará para mudar irá depender de quanto tempo você tem disponível para voltar para casa e trocar de roupa. Claro que será sempre insuficiente apenas por alguns minutos, para que hajam aqueles irritantes instantes de indecisão que parecem durar séculos.


Desnecessário dizer que: se você se preparar para o calor, irá fazer frio e vice-versa.


No meu caso, eu estava usando aqueles quarenta minutos para esperar um ônibus que normalmente passava de dez em dez minutos. Ainda assim não havia problema, pois eu havia antecipado minha saída de casa para ter certeza de achar um assento vago no ônibus já que seria humanamente impossível fazer uma viagem longa daquelas carregando uma pasta A1, um tubo para papéis e uma mochila de pé. Então eu percebi que:


3- Num dia de cão sempre há muita coisa para se carregar. O bastante para não valer a pena tirar o casaco. Caso a criatura resolva tirar o casaco, irá fatalmente esquecê-lo em algum lugar. Neste caso, o tempo esfriará mais uma vez.


4- Não adianta sair mais cedo num dia de cão.


5- Todo ônibus que demora chega lotado. Isto é lógica. Mas caso se decida pegar este ônibus de qualquer maneira, um muito mais vazio passará assim que você tiver passado a roleta. Porém se você decidir esperar este tal ônibus vazio, ele demorará muito mais e virá mais cheio que o anterior.


Minha opção foi pela esperança. Esperei outro ônibus mais vazio. E aprendi que:


6- A lei acima funciona mesmo.




7- Não é humanamente impossível carregar uma mochila cheia, um tubo de papel e uma pasta de tamanho A1(quatro vezes maior do que uma folha A4, essa daí que está na sua impressora), em pé em um ônibus lotado, apesar de ser um sofrimento medonho.


8- É possível ainda suportar insultos e olhares fulminantes de pessoas que preferem maldizer sua existência ao invés de ajudá-la com o material.


9- Ter um enfarte não é tarefa tão fácil assim. E como eu desejei um naquela hora e meia de viagem!


Eu sobrevivi para ver três outros ônibus da mesma linha passarem chispando pelo ônibus que eu estava. Este havia passado cinqüenta minutos depois de minha saída de casa tendo sido antecedido por um ônibus onde só havia lugar nas janelas e nas portas pelo lado de fora. E eu aprendi que:


10- O tal ônibus vazio fica parado na esquina esperando você pegar o cheio.


11- Não há nada para se aprender sobre ônibus em dias de cão. Você não pode sair do jogo e não pode vencer!


Apesar de estar lotado, o primeiro ônibus, que eu e mais as outras vinte pessoas que me faziam companhia no ponto deixamos passar, parecia ter o intento de chegar a algum lugar. Por outro lado, o motorista do nosso veículo resolveu manter a segura média de velocidade de 20 km/hora. Então eu aprendi que:


12- O motorista só está adiantado com o horário dele se você está atrasado com o seu. Ele só anda rápido se você saiu cedo demais para ir a algum lugar que não tem sala de espera.


Ao chegar ao ponto onde deveria pegar o segundo ônibus que deveria me deixar na universidade, todos os passageiros passaram para o mesmo ônibus que eu peguei, estendendo assim os limites do humanamente possível e repetindo a história anterior num ônibus ainda mais lotado. Então aprendi que:


13- Esta história de lotação máxima não existe nem para a Física.


Com as costelas doendo, fiz a opção de caminhar até a faculdade sob um sol escaldante a pegar o terceiro ônibus. Este era um ônibus gratuito, oferecido pela universidade, que vivia lotado e demorava eras para passar. Eu iria morrer se passasse por aquilo uma terceira vez no dia. Mas eu sobrevivi ao vê-lo passar com todos os passageiros sentados e alguns lugares vagos quando eu já estava no meio do caminho. Com isso eu aprendi que:


14- O que você nem tenta, achando que vai dar errado, vai dar certo só para lhe aporrinhar.


Ao chegar ao prédio onde a apresentação do meu trabalho era esperada pela professora no sétimo andar, descubro que todos os elevadores estão enguiçados. As pessoas que tinham fôlego protestavam e isto me deu um certo consolo antes de começar a subir as escadas. Mas chegando ao terceiro lance das escadas eu já estava inconsolável. E pensava que:


15- Elevador nenhum quebra quando seu compromisso é na sobreloja.


Mas eu sobrevivi para chegar à sala. Ouvi alguma coisa sobre o meu atraso justo naquela aula. Resolvi ignorar. Imaginei que:


16- A matéria que você mais precisa na faculdade é sempre dada por uma vaca que lhe odeia.


Acreditem quando eu digo que, antes da apresentação dos trabalhos, era necessário ter um texto cuja última cópia havia sido distribuída segundos antes de eu chegar. Sem problema. Pode-se tirar outra cópia. Havia várias máquinas Xerox no prédio. Somente a do térreo funcionava. Com isso eu aprendi que:


17- Aceite e se aborreça com qualquer chateação que o dia de cão lhe impuser e não tente fazer de conta que “não faz mal”. Não tente fazer de sua paciência um desafio para o dia de cão. Você não é páreo para ele.


Antes de sair ainda escutei a professora dizer com sua habitual antipatia: “Volta rapidinho, tá querida?” E eu percebi que:


18- Toda cretina que te odeia te chama de “querida”.


Voltei tão rapidinho quantos meus pulmões me deixaram. Meus amigos estavam de especial bom humor naquele dia nefasto, sabe-se lá por quê. Um mais engraçadinho sumiu com meu trabalho. Ele não costumava fazer piadas deste tipo, mas resolveu começar naquele dia. Então eu aprendi que:


19- Não importa o quanto uma brincadeira é imbecil. Se for com você, todo mundo vai esquecer que tem cérebro e achar graça. Naquele dia eles seriam capazes de jogar “bobinho” com meu fígado!


Ao abrir a boca pela primeira vez no dia para pedir que ele me devolvesse o trabalho, a professora resolve dar uma daquelas lições de moral para mostrar quem tem a autoridade naquele lugar. Afinal, eu havia chegado atrasada e ainda virava para trás para conversar e atrapalhar a aula?! Assim não dá, não é possível, é muito descaso com a aula... Aí eu vi que:


20- Quem não tem capacidade para liderar nada, apela para o grito e a grosseria. E o que é que eu vou fazer? Apesar dos impostos que meus pais pagaram a vida inteira, eu passei para uma faculdade "gratuita".


Ela foi tão “delicada” e “coerente” que a metade dos alunos levantou-se e saiu de sala em protesto àquele espetáculo desnecessário. Aí, mais esperançosa, eu vi que:


21- Por pior que fosse o dia de cão, você sempre pode contar com seus amigos, mesmo aqueles que te enlouquecem.


Eu, como vítima da grosseria e inspiradora da revolta, tive que me juntar aos revoltosos. E vi que:


22- Sair da sala em sinal de protesto à palhaçada de alguém só deixa este alguém livre para fazer palhaçadas junto aos puxa-sacos dele. E que foi uma coisa estúpida de se fazer justamente quando a apresentação valia nota.


23- Professor de universidade, por mais incompetente e imbecil que seja, tem sempre razão. Ele é o pré-requisito do chefe.


Assim o único motivo que me tirara da cama naquele dia caiu por terra. Não apresentei a bosta do trabalho que me foi devolvido pelo colega engraçadinho no corredor. Mais tarde eu aprenderia que:


24- Um dia de cão sempre é inútil.



E logo eu aprenderia que:


25- Um dia de cão não acaba cedo.


A única garota no grupo que tinha carro convidou-nos a dar uma volta para espairecer. Eu queria muito voltar para casa e me meter na cama fingindo que tudo não tinha passado de um pesadelo, além de estar louca de fome. Mas ela garantiu que me daria uma carona para casa. Então eu percebi:


26- A última coisa que se deve acreditar num dia de cão é que alguém irá lhe fazer um favor.


Depois de várias voltas de carro chegando a lugar nenhum, ela finalmente me deixou na porta da casa dela. Será que não dava para ser, pelo menos, perto de um ponto de ônibus? Ela estava cansada de tanto dirigir e não sabia como eu tinha coragem de lhe pedir algo assim depois de ter andado no precioso carro dela por quase duas horas. Eu confirmei o que já suspeitara antes:


27- Quando alguém promete lhe fazer um favor e em vez disso lhe faz uma sacanagem, você é um ingrato e ainda fica devendo o favor.


A casa daquela cadelinha era um tanto contramão e o ônibus que passava no ponto mais próximo me deixaria a um quarteirão de onde eu morava. Eu senti na pele o que todo mundo já sabia:


28- Um quarteirão fica um bocado longo quando se está agasalhada embaixo de sol quente e carregada de bolsas e pastas.


29- Num dia de cão deve-se evitar desvios no caminho.


Ao abaixar para ver se um pequeno passarinho estava ferido dentro de uma poça de água suja, tomei meu primeiro banho de água de esgoto na vida. O monstrinho estava adorando aquela água imunda e resolveu jogar um pouco em mim. Por que cargas d’água eu fiz isso se nem gosto de passarinhos? Bem, não gosto mais. E vi que:


30- Não se aceita nem se faz favores num dia de cão.


O plano era chegar em casa e esquecer que o mundo existia. Tarde demais eu vi:


31- Nada funciona como planejado num dia de cão.


Haveria uma espécie de reunião lá em casa. Minhas tias e umas amigas de minha mãe apareceriam para um chá. Como única filha presente, eu deveria ficar entre elas e responder todas as perguntas sobre namorados e sobre quando eu pretendia casar.


32- Visita surpresa só acontece em dia de cão.


Três horas depois a reunião acabou. Nem vou relatar os assuntos e o que eu tive que ouvir sobre a minha geração, já que eu era minoria. Basta dizer que foi todo mundo embora ainda soluçando de tanto chorar. Sim, as titias reservam as últimas horas da visita para falar dos que já morreram.


Imediatamente depois que a porta se fechou minha mãe já me perguntava aos berros o porquê de eu ainda não estar pronta para a festa de aniversário de minha sobrinha. Eu estranhei mas entendi:


33- Todo mundo está de mau humor no seu dia de cão.


Eu perguntei o que uma festa de aniversário estava fazendo numa terça-feira. Minha mãe ordenou que eu parasse de implicância com minha sobrinha. Tendo em vista o dia que ela resolveu dar uma festa em que eu tinha obrigação de comparecer, eu tinha toda a razão. Aliás compreendi:


34- O aniversário de alguém com quem você não se dá muito bem é sempre num dia de cão.


Eu teria que me arrumar em tempo recorde. Minha irmã já havia chegado. Ainda iríamos esperar o namorado dela que nos levaria de carro. Evidentemente ele se atrasou e ela, irritada, decidiu que nós duas iríamos no carro dela e que não precisávamos daquele inútil..


Já no meio de um engarrafamento monstro descobrimos que uma havia pensado que o presente de aniversário estava com a outra. Esquecemos o presente em casa. Então eu percebi que:


35- Realmente não dava a mínima se minha sobrinha ficasse sem presente.


O presente estava quietinho em casa e foi levado pelo namorado de minha irmã que chegou cinco minutos depois que desistimos de esperar por ele. Fica aqui a lição:


36- Ser intransigente no seu dia de cão só faz com que o dia seja merecido. Isso se não piorar as coisas! Se nós estivéssemos no carro dele este texto acabaria aqui.


Ele chegou um minuto depois de nós na festa e diz que não viu engarrafamento nenhum. Eu não duvidei.


37- Um dia de cão tem um certo ar de “Além da Imaginação”.


Depois de uma festa repleta de adolescentes que riam cada vez que alguém passava e descaradamente fingiam estar olhando para outro lado. Resolvi tratar do único sobrinho que não me irritava. Ele tinha seis meses na época.


Finalmente o bolo de cobertura cor-de-rosa, sabor desconhecido, foi cortado. O dia se aproximava do fim. O bebê foi o único que gostou da cobertura cor-de-rosa. Ele a distribuiu pelo meu cabelo. Conformada, eu vi que:


38- Ninguém sai limpo de um dia de cão.


Como nada pode ser simples, as despedidas duraram trinta minutos. Quando já estávamos quase voando para a liberdade, alguém ficou choramingando por uma carona. Talvez uma boa ação aliviasse minha barra, mas a ideia foi da minha irmã. Foram outros trinta minutos para que o rapaz a quem levaríamos para casa acabasse de se despedir de todos. Levamos o safado no fiofó do planeta onde ele morava sob a promessa que ele nos mostraria o caminho de volta. Eu pensei mas não quis falar:


39- A boa ação de um dia de cão pode se virar contra você.


Dito e feito! Igual ao cretino do passarinho na poça! Ao saltar do carro, o cretino dá as direções que devemos tomar em seu linguajar ininteligível e a 45 gírias por segundo. Depois virou as costas e foi embora! Eu fiquei sem palavras. Minha irmã só conseguiu esboçar: “Ele disse a primeira à esquerda ou direita?”


O namorado dela havia dado carona para outros adolescentes espinhentos e não pôde acompanhar o carro. Pobre da minha irmã!


40- Um dia de cão pode fazer reféns.


Ficamos tão perdidas que à meia-noite quase fomos parar no Corcovado. Depois de seguir um outro carro insistentemente, temendo entrar em alguma contramão (coisas da minha irmã...), descobrimos que o veículo estava indo para Niterói (Para quem não conhece a cidade do Rio de Janeiro, Niterói é outra cidade, não é o Rio de Janeiro).


Depois de rodar pela cidade inteira (o Rio, não chegamos a subir a ponte Rio-Niterói) chegamos a um lugar que minha irmã reconheceu e de lá conseguimos chegar em casa. Isto só aconteceu à uma hora da manhã. Tecnicamente o dia de cão havia acabado. Então, sem pressa de dormir, resolvi anotar tudo que acontecera.


Um dia ainda daria boas gargalhadas lembrando-me de tudo isso.


PS: Tomara que você tenha dado as gargalhadas, porque isso foi há 20 anos, e ainda não estou rindo.


41- Um dia de cão deixa a gente rancoroso.